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segunda-feira, 5 de julho de 2021

Anestesia

   Era um procedimento ambulatorial, nada muito complicado. A sala de espera era informal, como em todos os hospitais, uma iluminação suave, sem relógios na parede, talvez para que a espera não gerasse algum tipo de ansiedade.

    You Belong To The City, do Glen Frey tocava nos autofalantes, com seu sax caracteristico. Não me sentia nervoso, ou ansioso.

    Experimentava de uma tranquilidade inexplicável.

    Uma porta na sala de espera abriu e uma enfermeira me chamou pelo nome. Rapidamente atendi seu chamado, ela era pequena, e bem estruturada, me passou de forma automática todos os procedimentos, com a segurança de quem já tinha feito isso milhares de vezes.

       Tirei minhas roupas e vesti o avental, a parte de trás toda aberta do avental me deixou desconfortável, desarmado de alguma forma. Tirei até os óculos e deixei num armário por ela indicado. Cego e de bunda de fora, me sentindo ridiculo, eu a segui por um extenso corredor. Por um momento tive o medo absurdo de me perder dela.

       Quanto chegamos no lugar onde a cirurgia seria feita,(tinha dois tumores na pálpebra esquerda) ela pediu que eu me deitasse na cama. Afroxou mais o avental e colocou os óculos nasais, respirei um pequena fluxo de oxigênio, ela me cobriu com um lençol, e depois com um cobertor que ajeitou carinhosamente, como um mãe zelosa, fez um "pacotinho" como se eu fosse um bebê. Ela tinha olhos bonitos, uma voz quase musical, a máscara escondia sua boca, que talvez fosse bonita também. Tive tempo de pensar, que anestesiado, ela se divertisse comigo.

    Logo chegou o anestesista, perguntou como eu estava, me explicou o procedimento, bem profissional. Demorou para achar a minha veia, as picadas me encomodavam. - Pronto !- Disse ao achar a veia. Em segundos senti um calor e uma ardência me subindo pelo braço.

      Foi no minimo estranho.

        Apaguei, como numa pequena morte. Sem sonhos, sem sons, sem nada. Um vazio ausente de fantasmas, luzes, ou qualquer outra coisa. Espero que a morte não seja assim. Levei para o vazio os olhos da enfermeira e o comentário do anestesista. 

    Quando acordei a enfermeira me levava para uma outra sala.Empurrava a cama de rodinhas com grande habilidade. Fiquei pensando se a morte fosse assim, uma escuridão onde tudo acaba, e o legado de uma vida, amores, ódios, medos e decepções nada significassem. 

    Ganhei chá e bolacha salgada, para compensar o jejum prolongado. Alguns minutos depois a enfermeira me levou para me vestir, estava meio grogue, tive de ser auxiliado por ela.

     Saí de lá pensando sobre o que havia acontecido. Tudo é muito louco as vezes.


                           FIM

Reverendo Felix Fausto

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