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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

As Filhas Do Mar

 1915, o mundo sofria as desgraças de uma guerra mundial, o S S Sekmeth era um pequeno barco pesqueiro que havia sido solicitado pela marinha pra transportar uma carga de rações de guerra. A tripulação consistia em 1 capitão, seu imediato 8 marujos e 1 cabo da marinha real.

A proa havia sido equipada com uma potente metralhadora, como era de costume nessas situações. Naquele dia toda a tripulação do S S Sekmeth havia acordado com um estranho pressentimento, os homens do mar tem essa habilidade. Um por do sol vermelho sangue, pareceu fortalecer essa certeza em seus corações.

Quando a noite chegou, uma tempestade veio junto, o mar agitou-se em toda a sua fúria, homens ambientados a vida no mar, juraram nunca terem passado por uma tempestade como aquela. Algo de sobrenatural, havia naquilo tudo. Era como se o próprio Netuno estivesse castigando tudo o que flutuava acima dele. Aos gritos o capitão dava ordens que eram prontamente atendidas, eram marinheiros experientes e sabiam o que deveria ser feito numa situação como aquela.

Foi então que começou, um som, melodioso e indistinto, que logo tomou forma, numa canção que remetia as mais variadas e reconfortantes sensações. Os marinheiros pareciam hipnotizados, pois a canção conforme quem a ouvisse, ela falava-lhe coisas que lhe eram agradáveis. Um jurou que a música, era sobre sua infância, nos campos verdejantes onde fora criado, sentiu o afago das mãos ternas e calejadas da sua mãe, pode sentir o cheiro do pão que ela preparava no forno de barro.

Outro, ouvindo aquela voz, achou que fossem os anjos de Deus, cantando as glórias do evangélio. Um outro, lembrou do primeiro amor, era sobre isso que a canção falava, o primeiro beijo, os cabelos cor de fogo da sua amada. 

O Capitão estava no timão, guiando o S S Sekimeth em meio a aquele horror. Mas a canção para ele, era sobre uma ilha, um porto seguro que receberia ele e a sua tripulação em segurança. Uma ilha com agua fresca, caça em abundância, tesouros abandonados por piratas, e nativas maravilhosas que atenderiam seus desejos.

Ele tinha somente que seguir aquela melodia que o guiava para essa ilha, que era o paraíso dos homens do mar. Pobre Capitão havia esquecido da lição de Odisseu.

Todos os marujos estavam estáticos em suas posições, a canção mágica embotáva-lhes os sentidos, atrapalhando suas ações.

Então, o estrondo. Toda a embarcação tremera, homens foram jogados ao chão, um ou outro, no mar. A consciência havia voltado. A clareza de pensamento lhes revelava a verdadeira situação. O S S Sekmeth havia batido nas rochas de uma ilha, não havia tempestade, nunca houve, tudo era fruto do efeito da melodia, daquela canção de efeito hipnótico.

O Capitão foi o primeiro a enxergá-las, elas estavam nas pedras. As lendas eram reais, e eles, entregues a um destino terrivel. A caldeira entrara em colapso, a explosão que se seguiu partiu o barco em dois, homens gritaram ao serem despedaçados, as sereias lançaram-se como predadoras aos marujos que se debatiam na água. Arrastados para o fundo, deixando uma mancha de sangue onde estavam. Eram criaturas belas e terriveis, nadavam com habilidade impulssionadas com suas caldas vigorosas, dentes e garras rasgavam a carne da pobre vitima, que lhes caía ao alcance.

Aturdido o Capitão agarrou-se a um bote, a sorte de alguma forma sorria para ele. Com alguma dificuldade subiu no bote, notou um corte profundo na sua perna. Ainda podia ouvir os gritos da sua tripulação. Ficou em silêncio, e ocultou-se numa lona, o bote na agitação afastou-se dos rochedos e dos destroços do S S Sekmeth.


          Continua...


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A Tempestade

 A tempestade se formou no mar, onde nos mapas desenhavam monstros, e quedas abruptas para o fim do mundo, incutindo o horror e o fascinio aos mais destemidos marinheiros. A tempestade engoliu as estrelas, tirando a referência de olhos experientes, deixando-os perdidos num oceano revolto e passional como uma mulher apaixonada.

   A nau corcoveava ao sabor das ondas, como sobre o lombo de uma amante voluptuosa, no ato do amor, homens rezavam e amaldiçoavam mas aceitavam um destino que lhes era certo.

  A tempestade os receberia nas profundezas de um mar furioso, como o abraço de Calypso, tirando-lhes o fôlego, os sonhos e a vida. Não seriam os primeiros, e nem os últimos a perecerem no mar sem fim.


                        FIM

REVERENDO FELIX FAUSTO

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Lugares

        Era um sonho agoniante, daqueles em que a gente se encontra num lugar de geografia indefinida. Poderia ser aqui, ou na India, na Rússia, qualquer lugar.

     Mas a localização era o menos importante, pois eu estava perdido. Cada rua e beco me apresentavam uma enganosa familiaridade. Lugares que achava já ter caminhado por eles, mas não tardava a entender que eram armadilhas da memória, e logo me achava perdido novamente.

   As pessoas, os tipos eram variados. Talvez uma Babel onírica, uma profusão de cores e idiomas, conversas com alguma musicalidade aos ouvidos, e outras asperas como o estalar de linguas, mas eu conseguia entender tudo. Poucos olhares me traziam conforto, sentia uma temeridade no ar, quase palpável, pessoas de atitudes ambíguas se acercavam de mim.

   Acabei vendo um rosto conhecido, uma amiga. Ajeitava malas e sacolas num carro preto, talvez fosse viajar. Falamos sobre tudo, mas não me ocorreu perguntar-lhe como sair dali. Ou mesmo pedir uma carona.

  Despediu-se, entrou no carro preto e sumiu. Fiquei parado, vendo o carro distanciar-se e aos poucos esvanecer-se numa nuvem de poeira negra. Meu coração ficou apertado, um cão passou com uma mão humana decepada, deitou-se nos meus pés, e avidamente começou a roer os dedos da mão. Enojado chutei a mão para longe, e o cão foi atrás.

  As construções que eram de alvenaria, mudaram para construções de madeira, assim, do nada. Um sujeito mal encarado me pediu dinheiro, fiquei com medo, disse que não tinha, ele insistiu e eu o empurrei para longe, ficou me dizendo uma infinidade de palavrões, mas de deixou em paz.

 Estava entardecendo e um sol vermelho como sangue impregnava tudo com uma atmosfera de horror. Eu não queria ficar a noite num lugar como aquele. Uma voz conhecida chamou meu nome. Era um amigo pelo qual eu tinha muito carinho.

   Estava numa moto e parou ao meu lado, disse que não era para eu estar ali, pois não era a minha hora. Me alcançou um capacete sobressalente e pediu que eu subisse na carona da moto.

-Vou te tirar daqui.- Disse ele. Saímos e ele pediu que eu não olhasse para trás, não obedeci, para constatar que criaturas monstruosas nos perseguiam, criaturas que eram como répteis e insetos, seres vistos em pesadelos lovecraftianos a moto entrou numa neblina esverdeada onde parecemos desmanchar numa explosão de luz.

   Acordei com paramédicos me atendendo deitado no asfalto. -Ele voltou !- Disse um deles. -Que sorte, nasceu de novo- Disse o outro. Então lembrei que ao atravessar a rua, não ví o automóvel chegando.

                           FIM

REVERENDO FELIX FAUSTO

terça-feira, 14 de setembro de 2021

O Anjo Da Morte No Supermercado

 Eu ainda não entendi porque aceitei ir no supermercado. Eu não me sentia muito bem, e ainda assim fui. Ao entrarmos minha esposa pegou um carrinho com a roda defeituosa, trancava sempre que eu dobrava à direita.

     Lá dentro uma profusão de cores, anuncios e sons. Me concentrei no vermelho vivo dos cabelos dela, linda, era como observar uma floresta em chamas de uma distância segura. A máscara (tempos de pandemia) não ajudava, minha respiração era pesada, e dificultosa.

  Detergente de louça R$1,80 

     Me sentia enjoado, a sensação era de besouros se embolando no meu estômago, queria vomitá-los, e eles que subissem pelas pernas do sujeito gordo a minha frente, que calmamente escolhia ração para o seu cachorro.

Areia para gatos R$8,95

   Uma tontura me obrigou a apoiar-me no carrinho.

-Tá tudo bem ?- Ela me perguntou, incrivel, mulheres sempre sabem do que nos ocorre.

  Respondi que sim, mas na verdade já estava achando que teria um infarto. Mas como todo o bom macho, aceitava isso com alguma resignação. Homem não fraqueja, demonstrar isso seria o fim.

Sabonete R$2,75

     Eu só queria ir embora, talvez nem fosse um infarto, quem sabe dessas doenças modernas, de que tanto se fala, uma crise de ansiedade, que eu achava uma coisa muito gay, afinal, homem não tem tempo para isso.

Shampoo anti-caspa R$15,85

   Foi então que num dos corredores ela cruzou o nosso caminho. Era uma loira muito alta, elegante entre o sofisticado e o vampiresco. As pernas compridas vestidas de nylon negro, um sapato preto de salto agulha, eram os alicerces de tão imponente figura. -Vagabunda !- Foi o que deve ter pensado minha esposa, até fez um comentário maldoso.

Amaciante de roupas R$21,90

   A primeira coisa que eu pensei foi na elasticidade que uma loira com aquelas pernas teria, algo digno de uma ginasta da antiga URSS. Ela guiava seu carrinho alheia aos olhares e possiveis comentários que eram feitos. Os olhos de águia da minha esposa me encaravam, optei por discrição, mas com certeza, ouviria depois.

Banana R$4,65 kg

   Meu mal estar aumentava. Aperto no peito, enjôo e dificuldade de respirar. Morreria ali, passando por safado, comecei a achar que a loira fosse um anjo da morte, tudo me incomodava, as cores, os sons, tinha a impressão que além da barulheira habitual, eu também estava "ouvindo" os pensamentos dos outros. Eu queria sair correndo dali.

Refrigerante R$5,60 o litro

    O anjo da morte foi para o caixa, e nós para o corredor das carnes. Me sentia impaciente, minha esposa colocou sua mão no meu ombro, aquilo de alguma forma me acalmava. Experimentei de um conforto que me deixou um pouco mais seguro.

Frango congelado R$7,70 o pacote de 1kg

  Carrinho cheio, sensação de morte fomos para o caixa. Ela preocupada querendo saber o que eu tinha. No carro eu contei, e ela alfinetando o anjo da morte. Mulheres !


                                FIM

REVERENDO FELIX FAUSTO

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Curativos

São como facas
Acariciando minha pele
Esssas palavras 
Desconfianças
Criadas na minha culpa
Do que fiz, 
E o que acham que foi feito
Meus joelhos dobram
Numa dor silenciosa
Eu engulo
Frustrações, choro e o amargo
Das coisas que não consigo mudar
O amor não é o curativo
O ódio não é o curativo
O medo não é o curativo

Reverendo Felix Fausto

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Anestesia

   Era um procedimento ambulatorial, nada muito complicado. A sala de espera era informal, como em todos os hospitais, uma iluminação suave, sem relógios na parede, talvez para que a espera não gerasse algum tipo de ansiedade.

    You Belong To The City, do Glen Frey tocava nos autofalantes, com seu sax caracteristico. Não me sentia nervoso, ou ansioso.

    Experimentava de uma tranquilidade inexplicável.

    Uma porta na sala de espera abriu e uma enfermeira me chamou pelo nome. Rapidamente atendi seu chamado, ela era pequena, e bem estruturada, me passou de forma automática todos os procedimentos, com a segurança de quem já tinha feito isso milhares de vezes.

       Tirei minhas roupas e vesti o avental, a parte de trás toda aberta do avental me deixou desconfortável, desarmado de alguma forma. Tirei até os óculos e deixei num armário por ela indicado. Cego e de bunda de fora, me sentindo ridiculo, eu a segui por um extenso corredor. Por um momento tive o medo absurdo de me perder dela.

       Quanto chegamos no lugar onde a cirurgia seria feita,(tinha dois tumores na pálpebra esquerda) ela pediu que eu me deitasse na cama. Afroxou mais o avental e colocou os óculos nasais, respirei um pequena fluxo de oxigênio, ela me cobriu com um lençol, e depois com um cobertor que ajeitou carinhosamente, como um mãe zelosa, fez um "pacotinho" como se eu fosse um bebê. Ela tinha olhos bonitos, uma voz quase musical, a máscara escondia sua boca, que talvez fosse bonita também. Tive tempo de pensar, que anestesiado, ela se divertisse comigo.

    Logo chegou o anestesista, perguntou como eu estava, me explicou o procedimento, bem profissional. Demorou para achar a minha veia, as picadas me encomodavam. - Pronto !- Disse ao achar a veia. Em segundos senti um calor e uma ardência me subindo pelo braço.

      Foi no minimo estranho.

        Apaguei, como numa pequena morte. Sem sonhos, sem sons, sem nada. Um vazio ausente de fantasmas, luzes, ou qualquer outra coisa. Espero que a morte não seja assim. Levei para o vazio os olhos da enfermeira e o comentário do anestesista. 

    Quando acordei a enfermeira me levava para uma outra sala.Empurrava a cama de rodinhas com grande habilidade. Fiquei pensando se a morte fosse assim, uma escuridão onde tudo acaba, e o legado de uma vida, amores, ódios, medos e decepções nada significassem. 

    Ganhei chá e bolacha salgada, para compensar o jejum prolongado. Alguns minutos depois a enfermeira me levou para me vestir, estava meio grogue, tive de ser auxiliado por ela.

     Saí de lá pensando sobre o que havia acontecido. Tudo é muito louco as vezes.


                           FIM

Reverendo Felix Fausto

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Polaca

         A palavra "normal" de forma alguma definiria minha infância. Claro, eu fazia coisas que qualquer criança na minha idade teria feito, brincava, corria, tinha amigos mas não me destacava em nada, gostava de ler, lia muito. Minha tia Jussara havia me ensinado as primeiras noções de escrita e leitura, e a partir daí me alfabetizei quase que sozinho.

   Ela lia muito para mim, lembro que gostava de contar os sofrimentos de Cristo, na sexta feira santa, reunia a criançada, os sobrinhos todos e narrava com dramaticidade e via crucis. Eu de alguma forma me deleitava com aquilo.

   Lembro de ter achado em casa As Mil E Uma Noites, devorei o livro. Depois achei Alice No País Das Maravilhas e na sequência achei A História Universal Da Infâmia, de Jorge Luis Borges. Minha infância dividida entre sombrias leituras e coisas pertinentes a todas as crianças. Nunca entendi se isto foi bom, ou ruím para a minha informação.

   Ela andava sempre com meu tio Dino, ele chamava ela de Polaca, não lembro, ou nunca soube seu nome verdadeiro. Era loira, cabelo dourado, tinha um corpo bonito, pernas perfeitas, que saias mininusculas realçavam a beleza. Eram os anos 70 e minisaias eram um iten indispensável para as mulheres.

    Um dia meu tio me levou a casa dela, deixou-me sozinho com ela, e foi fazer não sei o quê. Eu tinha uns seis anos, fiquei no chão brincando com umas revistas que a Polaca havia me dado. Ela olhava uns discos, e eu ali, sentado no chão descobri as pernas dela. Por um momento esquecí das revistas, perdi meu interesse por elas, fiquei alí hipnotizado por aquelas pernas.

   Ela parecia muito alta, talvez nem fosse, mas do ponto de vista de uma criança sentada no chão ela parecia muito alta.

    Fiquei olhando aquelas colunas de carne, firmes e bem feitas, me aproximei mais para poder ver melhor, conseguia ver por debaixo da saia dela, aquela bunda branca, a calcinha azul. Alheia a minha presença ela continuava olhando as capas dos discos. Não me contive, talvez tivesse a necessidade de saber se aquelas pernas eram reais. Comecei a toca-las com interesse quase religioso, minhas mão alisavam a pele aveludada, foi quando ela olhou para baixo.

-Tu gosta disso né ?- Perguntou sorrindo, eu não entendi nada, mas sabia que estava gostando daquilo. Meu tio entrou e ela disse:

-Olha o quê o danadinho tá fazendo !

   Meu tio sorriu, agora entendo que houve um tipo de aprovação naquele sorriso. Logo ambos sairam e me levaram com eles. Acho que a Polaca foi meu primeiro entendimento do que as mulheres poderiam proporcionar.

   Tarado desde pequeno, e talvez eu nem soubesse.

          FIM


Reverendo Felix Fausto

domingo, 18 de abril de 2021

Domingo Cinza

     Aborrecido eu estava deitado no velho sofá marrom, tendo por companhia a Zarah, cachorra amorosa aninhada entre meus pés não imaginava a causa do meu mal humor.

         Era um domingo cinzento e chuvoso, uns caras jogavam futebol na cancha da praça em frente onde eu morava. Faziam uma algazarra dos infernos.

    Pareciam um bando de chimpanzés, machos gastando testosterona, cada gol era festejado com coreografias ridiculas, abraços, dedos no cu e gritarias.

     Nunca gostei de esportes, nem de praticar, ou assistir. Futebol era complicado para o meu entendimento, corridas automobilisticas mais ainda. Gostava era dos acidentes.

     Preferia exercitar minha masculidade pegando mulher, ou arrumando brigas.

   Mas acho que se jogasse futebol, me incomodaria menos. Futebol me garantiria uma perna quebrada, mulher acaba com o psicológico do cara. Raça complicada.

Complicada demais, um dia desistiria delas.

   Deve existir algo menos danoso para o coração e a cabeça do homem, tinha só que descobrir.

  Mas até achar, meu destino estava nas mãos de relacionamentos e amores complicados.


           FIM


Reverendo Felix Fausto

      

segunda-feira, 5 de abril de 2021

As Vezes Acontece

 As vezes acontece de não se ter uma idéia que o valha. Não sei, ou não tenho maturidade suficiente para lidar com meus bloqueios literários.

    Tanta coisa que eu gostaria de falar e nada acontece, não sai nada. A folha em branco se torna um inimigo invencível, alí me desafiando, virginal e intocável atestando minha mediocridade e impotência.

            Escrevo para não tomar tarja pretas, escrevo para não beber soda cáustica, escrevo para não ter que olhar no espelho, e ver tudo aquilo que não quero.

    Eu só quero escrever, sem a obrigação, ou o fardo de ser genial, escrever de um jeito simples, sem a maldição de ser complexo, que me entendam.

     As vezes acontece e as coisas fluem, e é fácil e as palavras saem, as emoções tinham de ser mais simples, saindo feito escarro, peido, suor, lágrimas, merda e vômito.

    Só as vezes, mas as vezes acontece.


FELIX FAUSTO

sexta-feira, 12 de março de 2021

Cachorro

     A noite estava bonita e agradável, depois de dias intermináveis em casa decidimos saír.

    Pegamos uma lata de cerveja cada um e saímos. Era cedo, mas tudo estava fechado, era um alivio poder sair. Roubei uma rosa para dar para ela. Aqueles olhos lindos se iluminaram.

        Um cachorro de rua começou a nos seguir, a cerveja ainda estava gelada.

   Ela brincou com o cachorro, e ele continuou nos seguindo. Ela tinha essa magia com os bichos, era um anjo.

       Mostrou-me a lua. Clara, lá no alto.

   Continuamos andando, falávamos de coisas aleatórias, era bom ouvir a voz dela.

   Acho que eu era como aquele cachorro também. Hipnotizado por ela, eu era um "cusco" de rua.

     Rimos, nos beijamos, foi gostoso.

  As vezes é assim, na simplicidade, a felicidade.


            FIM

Reverendo Felix Fausto

Akira

        Vivemos tempos estranhos, trabalhando na clandestinidade somente uma das portas do bar estava aberta. Algumas pessoas traziam garrafas para levar cerveja para casa.

        Eu estava parado na porta quando ví o Akira chegando. Tinha esse apelido por que era fã de mangás. Um sorriso largo se abriu no rosto barbado quando me viu. Parecia cansado, e mancava um pouco,(depois contou-me que havia machucado o pé no trabalho.), eram 19:00 e o sol ainda estava forte.

        -Dá pra beber aí ?- Perguntou. Respondi que sim, mas servi ele num copo plástico e ficamos lá fora. Gostava dele, era um tipo interessante, um sobrevivente.

      Teve lá seus problemas com drogas e bebidas, algumas overdoses e internações mas ele ainda estava inteiro. -Arrumei um trampo foda, devo ter carregado uma tonelada de amortecedores de carro. Mas pagam bem.- Disse ele.E era verdade, era trabalhador, apesar de maluco. Não fazia corpo mole para o serviço pesado.

     Fui lá dentro do bar e me servi de um copo de cerveja para acompanha-lo.

      Ele acendeu um cigarro e tragou com satisfação. Deu um gole na cerveja e disse:

-Cara, to comendo a mãe de um amigo, ví o cara crescer, mas a mulher é doida !

-Bom, acho que isso faz com que tu seja o padrasto dele.- Falei. -Estreitaram a relação.-Terminei.

-Capaz, ele nem imagina que estou  comendo a mãe dele ! E além do mais já vou largar fora.- Terminou.

    Nesse momento a "gostosa das 19:10" estava passando. Passava alí todos os dias nesse horário, acho que trabalhava numa academia ali perto. Olhou para mim, e me cumprimentou, nunca fazia isso, passava ali de nariz empinado, tão empinado que dava para pendurar um cabide nele.

     Sabia que era gostosa, eu e outros caras chegavá-mos a silenciar quando ela passava, um bando de imbecis,(eu junto), enchendo a bola dela.

 -Cara, que raba !- disse o Akira. Concordei, era realmente um rabão.

     Alguem buzinou de um carro que passou, acenei, mesmo não sabendo quem era, ou se era pra mim.

     -Ela é mais velha, não tem frescura. Prefiro.- Dizendo isso acendeu outro cigarro.

- Mulher mais velha, e "gordinhas" são as melhores.- Completou. Abanou a fumassa do cigarro, para que a mesma não chegasse ao meu rosto.

       Comecei a juntar as coisas, estava na hora de fechar, ele me ajudou, carregando uma das mesas.

   Pagou-me a cerveja, e antes de sair disse:

-Você tá tranquilo né, quero dizer, se aquietou ? Parou de pegar um monte de mulher.

-Bom, uma hora a gente para. E estou feliz como assim.- Respondi.

    Akira sorriu e um outro carro buzinou.

        Foi embora, talvez morasse ali perto, não sei.


              FIM


Reverendo Felix Fausto.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Infernal

            Quando eu morrer, certamente meu inferno particular vai ser uma praia. Possivelmente será Cidreira.

       Gordas refesteladas ao sol parecendo cachalotes encalhados na areia, cada retirada de saída de banho descortinava um show de horrores. Pelancas, dobras onde a luz do sol, e nem água e sabonete jamais haviam marcado presença.

       Uma confusão de funks, sertanejos e pagodes torturavam meus ouvidos, ao meu lado um sujeito fazia a corte tentando chamar a atenção de umas garotas.

       Dançava feito um flamingo, mas sem a nobreza e a altivez dessa ave.

      Na verdade o nariz parecia o bico de um flamingo, um flamingo desajeitado. Estufava o peito e estendia os braços ao som de uma música muito ruím.

     Uma estranha dança de suposta sedução. Não gosto de praia, não por que era Cidreira, meus desgosto seria o mesmo na Riviera Francesa, ou qualquer praia sofisticada em qualquer parte do mundo.

      Crianças correndo, crianças chorando, mães gritando querendo saber onde o Wesley Rodrigo, ou a Katiele Sabrina estavam.

   Tudo o que eu queria era que o Leviatã biblico emergisse das águas, e com seus gigantescos tentáculos arrastasse para o gundo do oceano aquela fauna infernal.


ReverendoFelix Fausto